muito se discute no campo de negócios de impacto sobre a necessidade de se fortalecer as chamadas organizações intermediárias (aceleradoras, etc), e sobre o papel de institutos e fundações neste sentido, mas pouco se fala sobre ‘como’ fortalecê-las é este o enfoque do meu novo artigo publicado no Rede GIFE

 

Boa Leitura : )

 

Fábio Deboni[1]

Fortalecer organizações intermediárias do ecossistema de negócios de impacto tornou-se um quase mantra nas discussões entre institutos e fundações que se aproximam deste campo. Já discutimos anteriormente esta questão[2] com a síntese de que é fundamental que a filantropia/ISP promova suporte financeiro e não-financeiro para fortalecer o ecossistema, em especial, as organizações intermediárias[3] que o integram.

Temos presenciado cada vez mais esta narrativa entre institutos e fundações, e certa concordância por parte do ecossistema de negócios de impacto de que este seria um papel relevante a ser desempenhado pela filantropia/ISP. Em outras palavras, na dimensão do discurso parece que falamos a mesma língua na atualidade.

Ainda que esta narrativa não esteja disseminada na totalidade do setor fundacional, ela já é suficiente evidente para institutos e fundações já ‘convertidos’ e também entre os que se aproximam mais recentemente desta agenda.

A questão fundamental que se apresenta neste momento passa pelo ‘como’ transformar esta narrativa em medidas concretas. Como desdobrá-la nas estratégias de atuação de institutos e fundações? Aí temos um ponto chave desta discussão e é sobre ele que este artigo vai discorrer.

 

Fortalecer como?

Se há suposta concordância de que é preciso que a filantropia/ISP fortaleça estas organizações, nos cabe então refletir sobre como atingir este propósito. Muitas vezes apenas a boa intenção de um instituto/fundação em fortalecer uma aceleradora de impacto, por exemplo, não assegura êxito nesta relação.

Mas então, como saber se o instituto/fundação está lançando mão de um ‘como’ que, de fato, fortaleça ambos nesta parceria?

Vamos propor algumas questões hipotéticas que nos ajudem a refletir sobre o tema.

 

– Qual o legado da nossa parceria com o intermediário? Ele contribui para fortalecer ou fragilizar sua missão?

Exemplo: um instituto contrata uma aceleradora para fazer um processo de busca, seleção e pré-aceleração de negócios de impacto num dado território ou tema em que a aceleradora não tem expertise/atuação. Será um projeto pontual que representa um desvio de rota na estratégia atual da aceleradora. Entretanto, se apresenta como um projeto financeiramente interessante para a mesma que irá viabilizar parte da sua conta no ano. Da parte do instituto, entende-se que a aceleradora tem reputação e capacidade de execução elevados para realizar o projeto.

Na nossa lógica de resultados e entregas de curto prazo, na visão do instituto faz todo sentido este tipo de projeto/parceria. Garante que o projeto seja executado e gera entregas para sua mantenedora e para seus stakeholders, ao mesmo tempo que gera repertório ao campo/território. Por outro lado, trazer a aceleradora de ‘grife’ para um tema ou território sem expertise e não previsto em seu plano estratégico gera desvios de rota para esta organização. Certamente ela irá entregar a encomenda com qualidade, mas o quanto ela sairá fortalecida deste tipo de parceria e o quanto a parceria contribui para consolidar ou precarizar seu modelo de atuação?

Mais do que tentarmos calibrar este tipo de resposta, poderíamos ao menos começar a fazer este tipo de questionamento em nossa atuação no campo, visto que este tipo de reflexão é bastante incomum na atualidade.

 

 – O quanto estamos contribuindo para estimular e potencializar os atores do ecossistema local/regional a partir da nossa atuação ou projeto?

Exemplo: uma fundação precisa realizar um projeto de impacto numa localidade onde esta agenda ainda se encontra pouco madura. Como tem que entregar resultado no curto prazo (1 ano), terá que buscar parceiros de fora para rodar o projeto. Entretanto, ela poderá fazê-lo com ou sem a articulação com atores locais/regionais, de modo a fortalecer localmente a capacidade de parte das organizações da região no tema, e ampliar repertório regional sobre a agenda. Sem dúvida, este tipo de arranjo interinstitucional dará mais trabalho de gestão do projeto para a fundação, porém poderá contribuir para ‘mexer os ponteiros’ de organizações locais no tema.

O quanto estamos dispostos a conciliar compromissos de curto prazo com médio e longo prazos em nossa atuação? Contratar um fornecedor de qualidade – lógica comum em nosso setor – nem sempre está em linha com o fortalecimento de organizações locais e consequentemente com seu respectivo ecossistema. Por outro lado, muitas vezes nossas próprias fundações têm buscado ampliar seus repertórios e compreensões sobre este tema e acaba aproveitando este tipo de parceria/projeto com organizações mais sólidas do ecossistema para também qualificarem a si próprias.

 

– Quais princípios e modus operandi movem nossa forma de nos relacionarmos com estas organizações?

Exemplo: a área de ISP de uma grande empresa contrata um ‘fornecedor’, que por acaso é uma incubadora social, para rodar um dado projeto. Sua lógica é ‘espremer’ de todo lado o fornecedor e questionar taxas administrativas e valores contidos na proposta que sejam percebidos como ‘custos institucionais’ e afins.

Nesta situação hipotética, porém bastante real, a estrutura de custos do projeto restringe muito as possibilidades de fortalecimento institucional desta incubadora, pois parte-se do princípio de que ela já tem sua estrutura de equipe e custos administrativos todo equacionado no seu modelo organizacional vigente. Se o mercado exige das organizações intermediárias um funcionamento administrativo ‘redondo’, com indicadores e métricas de impacto monitorados e uma teoria de mudança bem construída, além de uma equipe sênior com estrutura adequada de trabalho, deveríamos nos perguntar de onde a organização encontraria recursos para viabilizar tudo isso. Em outras palavras, buscamos um ‘fornecedor’ de primeira, com cara de grande empresa, porém, estamos dispostos a pagar apenas a sua entrega finalística para o ‘job’ em questão.

Se nosso instituto/fundação encontra dificuldades de justificar o pagamento de outras despesas ‘não finalísticas’ no projeto, valeria refletir internamente se nossa estratégia de atuação e de fortalecimento do campo de negócios de impacto está bem desdobrada em nossos processos e fluxos de trabalho. Provavelmente não.

 

 – Podemos fortalecer organizações do campo a partir de contratos de curto prazo?

Exemplo: um instituto corporativo já tem relação de parceria com algumas organizações do ecossistema, porém não consegue assumir contratos de mais de um ano de vigência. Neste sentido, a cada fim de ciclo anual, enfrenta o desafio de renovar estas parcerias, sofrendo com possíveis mudanças em seu direcionamento estratégico. Ainda que sua equipe e lideranças estejam alinhadas com as organizações parceiras, esbarram neste desafio de aprovação orçamentária e revalidação de sua estratégia de atuação a cada ano.

Outra situação hipotética bastante real no setor fundacional brasileiro, evidencia o famoso desafio de financiamento do setor. Embora a relação institucional esteja rodando bem com as organizações parceiras, há sempre uma incerteza no ar a cada fim de ciclo, o que inviabiliza ao instituto assumir compromissos formais mais longos com cada parceiro.

Neste caso, fica a reflexão de tentar construir em conjunto com cada parceiro avanços parciais que contribuam para o fortalecimento de médio prazo destas organizações.

 

– Após alguns projetos com organizações intermediárias parceiras nosso instituto aprendeu a fazer aceleração e pretende internalizar este processo.

Exemplo: aqui uma situação que, em tese, vai na contramão do fortalecimento dos intermediários e do ecossistema. Dar um ‘bypass’ num intermediário muitas vezes é percebido pelo instituto/fundação como algo ‘normal’. Mas, se prosseguirmos com este raciocínio e se os estendermos a boa parte dos institutos e fundações que se engajarem neste campo, o que aconteceria com boa parte das organizações intermediárias do ecossistema? Elas teriam na filantropia/ISP uma perspectiva de parceria, suporte, apoio ou de competição e disputa por recursos e projetos? É possível fazer aqui um paralelo com o debate sobre captação de recursos de fundações e os impactos negativos deste fenômeno junto a muitas OSCs.

Longe de cravar conclusões a partir de meras situações hipotéticas, a provocação aqui tem o mero propósito de nos fazer refletir sobre intencionalidades, estratégias e modus operandi de nossos institutos/fundações no processo, em curso, de aproximação e sinergia com o campo dos negócios de impacto, a partir de uma perspectiva de colaboração e fortalecimento mútuo.

Fortalecer o ecossistema e seus players pressupõe que a filantropia/ISP fortaleça também seu papel de investidor social, repensando sua atuação na esteira do fortalecimento da sociedade civil, das políticas públicas, da cidadania, da democracia. Lembremos que a agenda de negócios de impacto passa pela implementação de soluções de mercado para atacar problemas socioambientais e que esta é apenas uma dimensão possível para a filantropia/ISP que se soma a várias outras dimensões que já figuravam historicamente no radar de atuação de institutos e fundações.

 

Nem tudo o que é pra fortalecer, fortalece

Para além da (boa) intenção de fortalecermos organizações intermediárias é preciso refletirmos se, de fato, nossa atuação está contribuindo para fortalecê-las ou se estamos na prática, fragilizando-as sem nos darmos conta disso. Como vimos nos exemplos anteriores, é preciso aprofundar mais a reflexão sobre nossas estratégias de atuação neste campo e se o seu desdobramento em termos táticos, administrativos e operacionais segue também em linha com a nossa narrativa e estratégia. Muitas vezes é no ‘como’ que nossa estratégia se mostra incompatível: prazos de aprovação, lista de exigências documentais, modus operandi burocrático e lento, travas nas modalidades de contratação e de pagamentos, etc.

Fortalecer passa, portanto, por revermos também estes aspectos mais operacionais e estarmos abertos a ouvir destes parceiros algumas ‘verdades incômodas’ sobre nossa atuação. Queremos, de fato, fortalecer ou incorporamos essa narrativa sem nos darmos conta do que ela significa?

Embora sejam muitas questões e diversas reflexões possíveis, uma única certeza nos acompanha: essa jornada deverá nos tirar da nossa zona de conforto.

Que ótimo. Nada mais sintonizado ao momento atual que o planeta atravessa.

 

* * * * *

[1] Gerente Executivo do Instituto Sabin (www.institutosabin.org.br). Membro do Conselho do GIFE. É escritor e lançou seu terceiro livro – em meados de 2019 – “Impacto na encruzilhada: inovação social, negócios de impacto e investimento social privado: caminhos e descaminhos. A venda em: https://aupa.com.br/loja/ e https://amzn.to/36VSPzn contato: [email protected]

[2] Vide: https://gife.org.br/institutos-e-fundacoes-no-campo-de-negocios-de-impacto/ e https://gife.org.br/quem-acelera-as-aceleradoras/

[3] Guia recém produzido a partir da Rede Temática de Negócios de Impacto ajuda a compreender quem são estas organizações: https://sinapse.gife.org.br/download/guia-rede-tematica-de-negocios-de-impacto-do-gife-2019

 

Artigo escrito por Fábio Deboni, gerente executivo do Instituto Sabin e membro do Conselho do GIFE

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