Deixemos um pouco de lado nosso ímpeto de autodefesa do nosso setor e aceitemos com humildade nossas limitações como setor


Originalmente publicado em Mundo RH

A filantropia parece engrossar sua musculatura em tempos de crise humanitária. Parece não fugir da sua missão. Mobiliza pessoas e recursos e se amplifica em rede. Tenta deixar de lado divergências menores pra fazer chegar doações, donativos e recursos na ponta em comunidades e em organizações da sociedade civil que estejam em condições de maior vulnerabilidade.

Parafraseando o poeta ‘todo artista tem que ir onde o povo está’, mas (sempre há senões) como seguir canalizando esses apoios sem sangrar na própria carne? Como prosseguir fazendo pontes e fazendo doações, donativos e recursos chegarem na ponta sem que as organizações que fazem essa intermediação se enfraqueçam neste processo? Afinal de contas, elas também precisam ser apoiadas e padecem de desafios crônicos de sustentabilidade.

Aceitamos no setor fundacional mobilizar recursos que cheguem em sua totalidade na ponta, mas conseguimos convencer nossos boards a também financiar o lado institucional destas organizações intermediárias? Isso passa pelo debate de grantmaking, que vira e mexe nos provoca aqui e acolá. Sem essas organizações que intermediam relações com a ponta com toda sua capilaridade e redes de confiança com pessoas e comunidades nós conseguiríamos fazer chegar na ponta todas as doações, donativos e apoios de forma eficiente e eficaz?

Em outras palavras, o que seria de nós, institutos e fundações sem essa turma? Essa crise em que estamos todos inseridos deveria nos fazer discutir também nosso modus operandi como investimento social privado, que tem preferido executar seus próprios projetos do que em apoiar (pra valer) organizações da sociedade civil. Deveríamos repensar nos tais overheads, rubricas de salários, taxas administrativas e parar de nos enganarmos como rubricas enjambradas nos projetos destes parceiros.

Afinal, nossos salários e estruturas institucionais já estão minimamente assegurados, mas os destas organizações não. A crise deveria também nos fazer refletir seriamente se todo o pacote de compliance ao qual estamos inseridos é de fato um meio necessário para fins justos, éticos e idôneos. Não, caro (a) leitor(a), eu não estou defendendo o descontrole total dos recursos e da sua gestão, mas tenho me perguntado será que não temos pesado demais a mão do combo do compliance? Poderíamos também aproveitar para debater questões estruturantes que sustentam nossa sociedade os lucros abusivos de grandes bancos o não debate sobre taxação de grandes fortunas o papel do Estado como indutor de bem-estar social (ou não) além do nosso próprio papel como setor fundacional. Por vezes com mais cara corporativa do que de sociedade civil.

Sim, há muito avanço já construído no setor. Evoluímos em gestão, em compreensão, em repertórios, mas ainda estamos distantes de uma das nossas possíveis missões como setor que é o de fortalecimento da sociedade civil, de suas organizações, de suas distintas formas de expressão, com ou sem CNPJ, de dentro e de fora do eixo, conhecidas ou desconhecidas, com ou sem modelo de negócio e com todas as suas (nossas) fragilidades.

Tem-se dito tanto por aí que ‘há muitos tons de cinza’. Em nossos modos de ‘fazer o bem’ de gerar impacto positivo e seja lá o nome que quisermos usar, mas será quer as diversidades de cores, sabores, sotaques, ruídos e modos de fazer têm repercutido em nossas caixas de ferramenta do ISP? Deixemos um pouco de lado nosso ímpeto de autodefesa do nosso setor e aceitemos com humildade nossas limitações como setor. Estamos, como ISP numa prateleira de privilégios enquanto nossos targets, beneficiários, parceiros, fornecedores e como quisermos chamar estão numa situação muito mais desafiadora que a nossa. Antes, durante e depois desta crise. Nada contra cestas básicas ou donativos, mas o que elas precisam mesmo é de recursos financeiros o menos carimbado possível.

Por Fábio Deboni – Gerente Executivo do Instituto Sabin

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