A rápida expansão do campo de negócios de impacto social vem despertando muita euforia, reflexão, e inquietação nos setores afins. No campo do Investimento Social Privado (ISP) institutos e fundações vêm procurando entender toda a complexidade, nuances, potencialidades e armadilhas deste novo campo para delimitar e detalhar estratégias de interação e atuação.
A conclusão até este momento é de que este “OVNI” entrou no radar de institutos e fundações e que muitos ainda não sabem ao certo “que bicho é esse”.
Algumas coisas parecem estar ganhando certo consenso até o momento:
- Que investimento de impacto não é uma evolução da filantropia, não é melhor (nem pior), e não representa o futuro para o qual todos os institutos e fundações devem convergir.
- Que é crescente a aproximação entre os dois campos – ISP e finanças sociais e negócios de impacto, mas que, no universo de institutos e fundações ainda são poucos os que, de fato, já estejam envolvidos com este tema.
- Que há muita dúvida sobre “como” institutos e fundações poderiam se engajar com o tema. Com estes “comos” mais claros, alguns institutos/fundações poderiam, inclusive, definir pelo não engajamento com este tema (por questões variadas), assim como alguns delimitariam melhor como atuar com ele.
- Que os exemplos e modelos “gringos” (EUA e EU) não se encaixam plenamente na realidade do ISP no Brasil, por diversos fatores, sobretudo pela questão dos fundos patrimoniais (endowments). Portanto, tem sido bastante restrito a “importação” de modelos de outros países (de como a filantropia local vem se engajando com investimento de impacto). Inspirações internações são sempre válidas, mas necessitam de forte contextualização/adaptação local.
Além destas questões mais ou menos consensuais, temos um conjunto de outras bastante controversas e que despertam boas reflexões. Listo algumas delas, sem qualquer pretensão de esgotar este debate (que é inesgotável):
- O ISP pode contribuir com o campo dos negócios de impacto não necessariamente investindo diretamente em negócios de impacto. Explico melhor. Institutos e fundações podem destinar recursos e energia para fortalecer o ecossistema de negócios de impacto, apoiando as chamadas organizações “intermediárias”, responsáveis por orientar, apoiar a gestão, acelerar e conectar empreendedores sociais a possíveis investidores. Estes intermediários, no Brasil, são na grande maioria organizações sem fins lucrativos e não se sustentam com sua atividade de aceleração e apoio aos negócios de impacto. Este tipo de apoio e parceria por parte de institutos e fundações já é feito historicamente pela filantropia no apoio a OSCs e ao fortalecimento da sociedade civil. A diferença principal é que, no caso dos intermediários, seu público “beneficiário” são empreendedores de negócios de impacto que oferecem soluções que procuram enfrentar problemas sociais e/ou ambientais (por meio de modelos de negócio).
- Institutos e fundações poderiam envidar recursos e esforços para ampliar o entendimento sobre métricas e avaliação de impacto dos negócios sociais. Este é um campo que interessa muito aos próprios programas de institutos e fundações, visto que é uma agenda que precisa avançar na área social de um modo geral. Há dentre as organizações intermediárias do campo de finanças sociais aquelas focadas nesta dimensão de avaliação, e, pra variar, elas não param em pé financeiramente (com boa parte das OSCs).
- Institutos e fundações poderiam também contribuir para ampliar o repertório de conhecimento sobre o campo dos negócios de impacto – seja por área temática (educação, saúde, etc), seja por regiões geográficas/territórios, seja por tipos/modelos de negócio. Há uma avenida de oportunidades de fortalecer esta dimensão de conhecimento sobre este novo campo, bem como a realização de cursos, eventos e iniciativas de formação.
Por fim, há questões que precisam ser mais amplamente debatidas e aprofundadas, tais como:
- Haverá menor disponibilidade de recursos de institutos e fundações a partir do avanço dos negócios de impacto?
- O caminho da sustentabilidade financeira das OSCs passa apenas pelo campo dos negócios de impacto?
- Qual o sentido público do campo dos negócios de impacto?
- Queremos que institutos e fundações apoiem o campo ou os negócios de impacto diretamente?
- Como institutos e fundações podem fortalecer a dimensão do impacto social no campo dos negócios de impacto?
Concordo com outros colegas do campo do ISP de que institutos e fundações terão papel mais secundário no campo dos negócios de impacto, não devendo assumir centralidade nesta agenda. Mas concordo também que institutos e fundações não podem seguir alheios a esta agenda. É preciso compreendê-la melhor para traçar estratégias de interação.
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Fábio Deboni
Gerente Executivo do Instituto Sabin (www.institutosabin.org.br). Atualmente coordena a Rede Temática de Negócios de Impacto do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas). Membro do Conselho do Gife. É autor do livro “Reflexões contemporâneas sobre Investimento Social Privado”. [email protected]
Artigo publicado originalmente em: https://www.linkedin.com/pulse/qual-o-sentido-p%C3%BAblico-do-campo-de-neg%C3%B3cios-sociais-f%C3%A1bio-deboni/