Écurioso, pois as conversas mais interessantes dos eventos da fantástica fábrica do impacto social seguem sendo as do cafezinho, onde nos sentimos mais à vontade para falar de assuntos sensíveis que são evitados nos painéis e palcos. Afinal, é difícil falar abertamente sobre erros, cagadas e problemas que há aos montes em nosso setor, sob pena de queimar nosso filme profissional / institucional.

E assim vamos, dobrando apostas de narrativas pra lá de inconsistentes, que cada vez mais pouco correspondem ao que encontramos na realidade do setor, em especial, em territórios mais distantes do eixo RJ-SP (ou mais longe das panelas do setor, como preferir).

Voltando à pergunta título do artigo: por que é tão difícil falar sobre esse assunto?

Na minha visão, por, pelo menos 2 motivos:

1.     Porque há uma percepção de que falar sobre os erros/cagadas/incoerências do setor vai queimar nosso filme e, portanto, nos colocar na geladeira. Em outras palavras: nossa carreira profissional / institucional estará em maus lençóis. Será?

2.     Porque há uma percepção de que falar sobre os erros do setor depõe contra o próprio setor. É como se jogássemos contra o setor em que atuamos ao assumir que o setor também tem suas incoerências. Será?

Como temos boletos a pagar e organizações e projetos pra manter, tendemos a evitar ao máximo esse tipo de conversa, embora todos nós tenhamos muito a dizer sobre esse assunto. Não à toa, não falta assunto nos cafezinhos e corredores dos eventos. Ah, se as paredes falassem!

Pois bem, tenho notado um interesse crescente das pessoas com quem interajo na fantástica fábrica do impacto em romper com essa ideia de que não se pode falar sobre esses assuntos. Que bom!

“Embora encontremos uma narrativa super positiva (de mudar o mundo, de colaboração, e bla bla bla) o que encontramos na prática não é apenas isso.”

Talvez esse interesse crescente tenha óbvia correspondência com a realidade com a qual nos deparamos em nossa atuação profissional no setor. Embora encontremos uma narrativa super positiva (de mudar o mundo, de colaboração, e bla bla bla) o que encontramos na prática não é bem isso, ou para ser intelectualmente honesto, não é apenas isso.

Esse dado de realidade é o que tem, na minha visão, instigado tantas pessoas (como eu) a tomar coragem para começar a falar a respeito. Afinal, temos visto canibalização rolando solta no setor; players queridinhos do centro do ecossistema sendo os convidados de sempre para oportunidades/eventos enquanto tantos outros sendo desprezados; lideranças incensadas do setor atuando nos bastidores de forma absolutamente sacana, além de tantas outras crocodilagens a olhos vistos, enquanto o setor se esforça em sair bem na foto. Há um sem número de situações que colocam em xeque esse lindo discurso de colaboração, transformação e bla bla bla, mas é melhor não falarmos sobre isso, você sabe.

Eu tenho escrito e falado sobre isso há tempos em meus textos no linkedin, em meu blog e no meu podcast, e sinto na pele os efeitos dessa escolha editorial. Já falei muitas vezes sobre isso. A diferença é que essa sensação de incômodo parece ganhar mais adesões entre pares do setor, sobretudo entre aqueles(as) que, como eu, circulam por caminhos marginais/alternativos ao centro do ecossistema.

Pra fechar, a questão que ainda me intriga: o que faremos com esse incômodo crescente? Onde ele vai desaguar?

Não tenho a menor ideia. Só sei que há cada vez mais gente no setor incomodada com um lindo discurso que corresponde pouco com a prática. Onde isso vai dar, não tenho a menor ideia, e com o passar da vida assumir as muitas coisas que não sabemos é também uma forma de sabedoria.

 

Publicado originalmente em: https://impactanordeste.com.br/por-que-e-tao-dificil-falarmos-sobre-o-que-nao-e-falado-no-setor/ 

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