Em alta (ufa!) nos discursos, nunca se falou tanto em capilarizar a agenda da inovação social e do impacto pelo país. Sem dúvida, a mudança na narrativa já é um ponto alto para ser celebrado, pois há pouco tempo atrás levantar essa bandeira era literalmente pregar no deserto. A questão que decorre daí é: como? Como, de fato, fortalecer os ecossistemas locais e regionais de impacto?
O primeiro passo, a meu ver, passa por reconhecermos que há múltiplos caminhos, há muitos ‘comos’, e não uma única trilha. Reconhecer essa diversidade passa por perceber que as estratégias adotadas onde este ecossistema de impacto já esteja mais maduro não necessariamente surtirá o devido resultado em nossos territórios. Além disso, é preciso reconhecer que dentro de nossas regiões (Nordeste, Centro-Oeste, Amazônia, etc) há diversas realidades locais. Não há um único Nordeste, uma única Amazônia. Portanto, neste primeiro passo é preciso identificar quem são os atores e organizações que compõem esse tal de ‘ecossistema de impacto’ em nossa região? Que segmentos estão dentro, quais estão claramente fora e quais estão na fronteira entre o nosso campo de atuação e campos afins?
Convém lembrar que em ecossistemas menos maduros é muito comum que as mesmas pessoas troquem de chapéus em reuniões e espaços de interação. Exemplo: a mesma pessoa ponto focal de institutos e fundações pode, muitas vezes, ser a mesma que puxa a agenda de captação de recursos. Em outro caso, a mesma pessoa que bate o bumbo dos negócios de impacto pode ser a mesma que também atua na esfera pública.
Portanto, precisamos saber lidar com esses duplos chapéus, evitando sobrecarregar ainda mais a agenda destas pessoas que já transitam em agendas afins. A dica aqui é somar e aglutinar ao invés de criar mais divisões, mesmo que isso signifique uma agenda para o ecossistema local nem tão puro sangue assim. Em outras palavras, mesmo que implique em abordar temas afins, mas não necessariamente os mesmos, de terceiro setor, passando por negócios de impacto, a investimento social privado e políticas públicas. O importante é tentar otimizar as agendas destas mesmas pessoas, afinal, são elas quem estão na linha de frente destes temas em nossa região.
Outro passo importante diz respeito a construção de agendas comuns e compartilhadas de trabalho. Para além de um novo tema chegando à nossa região, e cuja empolgação tende a se esvaziar rapidamente, o esforço aqui passa pela pactuação de objetivos comuns entre todos de modo a manter a chama acesa por mais tempo. Afinal, essas mesmas pessoas que já têm agendas apertadas precisam encontrar um denominador comum e um propósito potente que as motive seguir se encontrando e construindo iniciativas. Se o ecossistema escorregar para se tornar o ‘projeto do(a) ‘fulano(a)’ ou da organização X, tende a se esvaziar. Se as reuniões se tornam chatas e sem sentido, as pessoas tendem a não priorizar mais esses encontros. Pra que isso não ocorra, o papel de facilitação e de secretaria executiva deste processo é fundamental, embora bastante desafiador e trabalhoso. Afinal, alguém tem que pagar essa conta para que isso seja possível.
Esse é justamente o próximo ponto a ser trabalhado. Recursos e condições objetivas para que esse processo siga em frente. Aqui muitas maneiras são possiveis, da boa e velha vaquinha entre todos, à construção de um projeto a ser financiado por alguma organização. Um ponto que costuma azedar relações aqui diz respeito a, quando se acessam fontes de recurso, eventuais desencontros de expectativas apareçam entre participantes do ecossistema. Alguns verão neste espaço uma oportunidade para captar recursos para seus projetos próprios, já para outros será um recurso claramente voltado à viabilização da proposta do ecossistema local/regional (do coletivo). Um bom alinhamento de expectativas entre todos, desde o início, pode facilitar esse processo, buscando evidenciar o que é projeto do coletivo e o que são agendas institucionais individuais.
Na medida em que o ecossistema local/regional vai se consolidando e criando certa rotina e ritmo, uma nova questão emerge no radar: afinal, como nossos esforços podem ser notados e reconhecidos por ecossistemas mais maduros? Como criar conexões com o centro do ecossistema? Aqui entra uma questão importante. Essas conexões devem estar alinhadas numa lógica de trocas, de fortalecimento mútuo e não de validação. Em outras palavras, não se trata de ‘pedir benção’ ao que se está construindo na região, mas sim de buscar sinergias que façam sentido a todos.
Por fim, como potencializar o que nosso local/região tem de melhor? Como não escorregar numa abordagem clichê? Não tenho a resposta, mas compreendo que ela passa por buscarmos identificar as principais fortalezas de nossa região, características fortes e habilidades marcantes que nos diferenciam de outras regiões. Desta forma, teremos mais ingredientes para desenhar uma estratégia de atuação para o nosso ecossistema que potencialize essas características, ao invés de apenas reproduzirmos abordagens de outras regiões.
Isso me anima, pois vejo o quanto há espaço para abordagens mais ousadas, mais inovadoras, com mais temperos, sotaques e sabores! Afinal, essa é a cara do nosso país e porque não pode ser também as várias faces deste grande ecossistema de impacto e inovação social? Fica aqui o convite para pensarmos a respeito. Se for numa boa roda de conversa com diferentes músicas, comidas e sotaques, melhor ainda.
Publicado originalmente em Impacto Nordeste