É comum apontarmos o dedo para inimigos externos no nosso campo – de governos autoritários, de burocracias que atrasam o setor, à falta de recursos. Temos aí uma coleção de problemas, para todos os bolsos e apetites. Mas anda faltando também uma boa dose de autocrítica por aqui, não acha? Afinal, sabemos muito bem que nem tudo são flores em nosso campo, mas evitamos ao máximo reconhecer esses problemas e encará-los de frente, sob o argumento de que isso seria jogar contra nós próprios.

 

Além disso, temos nos deparado com o desafio de sermos mais parceiros entre as tantas iniciativas e abordagens que compartilham esse amplo campo de fazedores de impacto. Afinal, temos sido mais parceiros ou mais concorrentes entre nós?

 

Entre os que costumo chamar como ‘fazedores de impacto’ (ONGs, negócios de impacto, institutos e fundações, empresas, governos, etc.) tenho notado pelo menos dois problemas:

 

1.     Diante da nossa tamanha especialização, vamos adentrando por caminhos mais paralelos do que sinérgicos em nossas jornadas pró-impacto e isso reduz nossa potência colaborativa;

2.     Além de colaborarmos menos do que poderíamos entre nós, acabamos disputando espaços e nos tornando concorrentes (em alguns casos quase inimigos) nas disputas por recursos, por narrativas, por relevância, etc.

 

Como então queremos ‘mudar o mundo’ se, mesmo entre nós, há uma coleção de divergências e disputas? Deixo no ar a pergunta, pois sequer temos sido capazes de levantá-la e isso diz muito sobre nós.

 

Daí a pergunta-título do texto: estamos perdendo para nós mesmos? Estamos nos apegando demais aos nossos jeitos de fazer impacto em nossas jornadas que acabamos nos convertendo em competidores? Afinal, nossos inimigos não são os problemas sociais e ambientais que buscamos enfrentar?

 

Olhando aqui e acolá, não é o que parece.

 

Parece que nosso maior problema é defender a legitimidade e relevância da sociedade civil frente a governos autoritários, frente a narrativas de mercado que desqualificam as ONGs e a filantropia, frente a uma suposta falta de escala que temos, etc. Há inúmeras bolas nas nossas próprias costas que fica difícil compreender se estamos realmente no mesmo barco rumo a um ‘mundo melhor’. Estamos?

 

Essa pergunta me fez lembrar essa charge do Quino.

O único complemento à imagem é que no nosso caso temos inúmeros barcos, de diferentes tamanhos e estilos, supostamente navegando em direção de um ‘mundo melhor’ (mais justo, mais sustentável, etc.). Cada barco seria uma iniciativa de um tipo – vários barcos de ONGs, vários outros de fundações, vários outros de negócios de impacto, etc. A metáfora nos leva a crer que, ao invés de nos ajudarmos para navegarmos em boas condições rumo ao nosso destino comum, temos nos desviado do nosso foco ao criticarmos este ou aquele barco, este ou aquele remo, esta ou aquela tripulação.

 

E para fechar, e pra não dizer que não falei das flores: sim, há muitas em nosso campo. Há muita coisa bacana sendo feita. Há muita gente potente e inspiradora remando em diferentes barcos. E isso é, sem dúvida, combustível que nos faz seguir em frente nesta caminhada, lembrando o que diz o poeta: “eu sou eu, você é você, e vejo flores em você”.

*texto publicado originalmente no Portal do Impacto

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