Eu sou uma dessas pessoas que apostam em ideias mirabolantes de guardanapos. Apenas ideias, sem modelos de negócio, sem detalhamentos, sem pitch ensaiado. Apenas uma ideia nua e crua, com certo ar de promissor. Embora o guardanapo esteja longe de possuir os requisitos do que entendemos como projeto, não seria aí que deveria entrar em cena a inspiração e o tão batido “pensar fora da caixa”?

 

Por sinal, evocamos tanto essa expressão, mas justificativas não faltam para colocá-la pouco em prática, não é? Todos estamos às voltas com mil projetos, mil demandas e uma pilha de requisitos cada vez mais complexos para manter nossas organizações funcionando. Ao que dizem, nos tempos atuais, não basta apenas manter a organização existindo, é preciso expandi-la, escalá-la. Que coisa.

 

Isso tem me feito pensar sobre como tem faltado espaços menos planejados, conversas menos estruturadas, onde podemos simplesmente nos deparar com ideias de guardanapo, sem pitch ensaiado, sem pirotecnia.

 

Tá bom, mas onde quero chegar com esse papo?

Em duas direções, pelo menos.

 

A primeira direção é refletir sobre o descompasso entre o discurso da inovação e sua aplicação no terceiro setor. Sim, aquela inovação que é prima-irmã da criatividade e que sempre foi abundante por aqui. Prima-irmã do improviso, da habilidade em operar com recursos escassos. Afinal, quem nunca se deparou com essa situação?

 

Em tempos recentes, temos nos aproximado cada vez mais do mundo das startups, tentando adotar seus princípios de errar rápido, experimentar e prototipar. Sem dúvida, eles têm trazido contribuições interessantes para o terceiro setor e aparentemente vieram para ficar. No entanto, na minha opinião, a realidade é que, mesmo que invoquemos cada vez mais a linguagem das startups, ainda estamos presos à lógica de operar por projetos, buscando constantemente por editais e, consequentemente, limitados ao que o financiador deseja apoiar. Alguém já viu algum edital que aceite ideias concebidas em guardanapos?

 

A segunda direção diz respeito à perspectiva do financiador. Aqueles que fornecem financiamento buscam projetos bem estruturados, com formulários completos, certidões e conformidade. Sem esses elementos, é difícil ter sucesso. Em outras palavras, sem eles, suas opções se tornam bastante limitadas.

 

Mesmo dentre financiadores com recurso mais paciente e, portanto, potencialmente mais abertos a financiar ideias de guardanapo (leia-se: filantropia), as placas tectônicas deste setor parecem se mover em direção ao aumento no nível de controle, com mais exigências, em nome do compliance. 

 

Chegamos, portanto, ao dilema de Tostines.

Será que faltam ideias mirabolantes porque não há quem as financie?

Ou será que faltam financiadores estimulando ideias mirabolantes no 3º setor?

Façam suas apostas.

Antes de concluir, é importante fazer uma rápida observação.

Sim, a criatividade ainda existe, assim como a habilidade de operar com recursos escassos e viabilizar ideias mirabolantes no setor. Se houvesse uma abertura maior por parte dos financiadores, certamente veríamos um desfile de excelentes ideias surgindo de guardanapos.

No entanto, assim como perdemos a biodiversidade, também perdemos novas ideias antes mesmo de conhecê-las, simplesmente porque elas não se enquadram nos requisitos considerados padrão no setor.

Em nome do padrão, a inovação se despede. Em nome do compliance e das “boas práticas”, ideias promissoras de guardanapo são deixadas de lado.

E assim, todos perdemos.

 

Este conteúdo foi publicado originalmente em Portal do Impacto

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