Uma das prioridades do ecossistema de impacto é potencializar a comunicação sobre esta agenda, fazendo-a chegar a outras bolhas dos não-convertidos. Convenhamos, a bolha atual é bastante elitizada e fala-se há tempos da necessidade de furar bolhas.
Para além desta boa e necessária intenção, será que a estratégia adotada até aqui está nos conduzindo nesta direção?
OK, mas de qual estratégia estamos falando? A referência está disponível no documento “Visões de Futuro para a Agenda de Impacto no Brasil – Recomendações para o avanço dos investimentos e negócios de impacto até 2025”, da Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto.
Aliás, um documento-chave para todo o campo do impacto, não apenas para os interessados em comunicação. Das nove recomendações que o documento traz (para avanço dos investimentos e negócios de impacto no Brasil até 2025), uma delas (a nona) é focada em Comunicação para Impacto.
Ela prevê:
- Coconstruir narrativas que aproximem públicos de interesse à causa dos investimentos e de negócios de impacto, garantindo a criação de uma linha de base (metas e indicadores de partida) que permita o monitoramento coletivo de resultados de comunicação
- Popularizar o tema entre empreendedores(as), investidores(as), gestores(as) públicos(as) e consumidores(as).
O documento traz as seguintes diretrizes, já com algumas provocações que faço por minha conta e risco (em vermelho):
- Cocriação de mensagens simples e efetivas para a divulgação da causa.
Quem está fazendo isso? De que forma? Com que apoio? Por quais canais? Uma mensagem simples é um meme ou um artigo na Folha? - Produção de conteúdo e sistematização de casos.
Quais casos? Os de sempre? E os casos desconhecidos e longe dos holofotes do centro do ecossistema? Quem faz as vezes de olheiro para encontrá-los? - Financiamento e apoio a veículos especializados e independentes.
Dá uma olhada nos apoiadores da Aupa, por exemplo, pra ver que o buraco é mais embaixo. Uma coisa é dizer que é importante financiar veículos independentes, outra coisa é eles conseguirem se financiar na prática. Quem/como vai financiá-los? Premiações de 10 mil é financiamento? - Ampliação do relacionamento com atores do mainstream.
Será que a mídia empresarial tradicional (minha interpretação para o tal “mainstream”) está mesmo disposta a cobrir esse tema? Se sim, com que tipo de abordagem? Essa abordagem reforça nossas assimetrias ou as reduz? Esse espaço supostamente aberto pela mídia tradicional nos fortalece ou nos separa como setor? Se for pra sair na grande mídia reforçando a ideia equivocada de “caça a unicórnios”, tô fora. Nada contra os unicórnios, mas eles não representam a única visão de “sucesso” para o setor. - Fomento de linguagens, imagens e conceitos positivos e propositivos.
Como é ser positivo em termos de abordagem na produção e disseminação de conteúdo sobre impacto? Ser positivo é passar pano para as tantas contradições que nos cercam como setor? Em “ser propositivo” cabe também um raio X do caso do “fundo do MST”, por exemplo? Curiosamente, um baita “case de sucesso” que não virou hit nas paradas de sucesso do setor. Por que será? - Criação de um grupo de trabalho nacional para construção de uma linha de base para monitoramento coletivo de resultados de comunicação da causa do impacto.
Quem vai criar? Com quais participantes? Quem vai financiar? Esse grupo vai dialogar com o atual governo federal? Esse grupo supostamente nacional terá mais da metade dos seus membros de São Paulo? Isso é ser nacional? Note, caro(a) leitor(a), que estou questionando o grupo e não a ideia de se ter uma linha de base e de se ter uma estratégia de comunicação desta causa chamada impacto.
Obviamente, é preciso concordar com o estudo ao sublinhar que:
“É necessário criar interlocução, principalmente com atores que ainda não são sensíveis ao tema, mas que são indispensáveis à conversa”.
Em outras palavras, precisamos sair da nossa bolha de já convertidos. Bingo!
A questão fundamental aqui é: como?
Olhando para as diretrizes anteriores, caro(a) leitor(a), é possível identificar alguma relacionada a este aspecto? Eu não consegui perceber nenhuma.
Estamos vivendo um boom de podcasts (Podpah, Flow, Mano a Mano, Mamilos, etc) e quais nossos planos para levar esse tema até eles? Curiosamente, nenhuma meta ou ação nesta direção. Afinal, se queremos sair da nossa bolha, por que não criar pontes com esses veículos?
Citei os podcasts, mas poderia incluir os inúmeros influencers (youtubers, blogueiros(as), etc) que têm uma audiência extraordinária e, infelizmente, passam longe desta nossa conversa. Se essa turma não é considerada como jornalismo (concordo), são comunicadores muito eficazes e deveria estar em nosso radar.
Pra fechar, importante enfatizar que não sou um profissional da comunicação. Sou engenheiro agrônomo não praticante que se aventura pela produção de conteúdo, na raça. Escrevo diariamente em meu blog (e LinkedIn) e estou lançando em 2022 meu quinto livro (“Inovação Social em tempos de soluções de mercado”). Também me aventuro pelos podcasts (já conferiu o AupaCast?, mas tenho os meus caseiros também).
O que quero dizer é que há um perfil de pessoas que não tem formação em comunicação, mas que também produzem comunicação. Possivelmente, esse perfil estaria fora do radar de ações de comunicação. Para o bem e para o mal. Esse, talvez, seja um pouco da encruzilhada da própria Aupa. Muitos que consomem seu conteúdo acham lindo e necessário sua existência, mas poucos topam por a mão no bolso para apoiá-la. Mas, se a comunicação de impacto é tão estratégica assim, porque tão pouco apoio $? Afinal, o nono lugar na lista de prioridades dá direito a uma vaga para a libertadores? Pelo visto não.