embora a gente fale sobre filantropia
como sendo um único setor

ofereço neste novo artigo
4 vertentes da filantropia
para refletirmos se elas
apontam para a mesma direção

será mesmo que todas as iniciativas destas vertentes
visam contribuir para o fortalecimento da sociedade civil?

boa leitura ; )

#impactonaencruzilhada

O conceito de filantropia não é novo e carrega consigo muitas percepções. Na prática são diferentes conceitos cada qual com seus respectivos centros de gravidade.

Ofereço aqui 4 tipos de filantropia para nos situar neste leque de possibilidades, e ainda nutro um sentimento de que todas caminham para o mesmo destino (mudar o mundo, transformação social, impacto e nomes afins). Sim, talvez seja pura igenuidade atribuir a todas um destino único, eu sei. Voltemos a essa questão ao final do texto.

Aos que estão chegando nesta área, fica a sensação de ‘tanto faz’, de ser tudo igualm afinal tudo é filantropia. Pra outros, pior ainda. Fica uma sensação de ‘bode’ com o termo, e uma busca desperada por negá-lo e por renomeá-lo com termos mais hypes e, quase sempre, gringos.

O convite que faço ao leitor(a) é justamente o de mostrar que embora as 4 correntes tragam na sua raiz o termo filantropia, e que o termo seja muito relevante e presente em nossa realidade, as 4 vertentes apontam para direções diferentes entre si. Estão, portanto, longe de ser sinônimos.

 1.     Filantropia ‘tradicional’

  • é a mais antiga e possivelmente a mais presente em nosso país tanto na prática (na ponta) quanto no imaginário geral das pessoas, vinculando ela, em geral, a oferta de serviços assistenciais (saúde, educação, social, etc). É a rede de organizações sociais que está na ponta oferecendo atendimentos (daí o termo assitência), amparando uma gama de pessoas, famílias e comunidades. Não contar com ela resultaria numa lacuna bastante importante. Em Portugal, por exemplo, eles chamam essa área de economia social, termo aliás, que coloca o setor em outra perspectiva, não acha? Eu particularmente gosto do termo, mas isso é tema pra outra prosa.
  • Além deste caráter ‘mão na massa’, essa vertente também carrega consigo um triplo pacote de controvérsias injustas: de ser ‘assistencialista’, de ser ultrapassada e de estar vinculada a fraudes (pontuais, mas que ainda mancham a imagem do setor, infelizmente).

Pra ficar claro: não concordo com a tripla carga negativa que recaí sobre o setor, acho ela injusta e que acaba dando margem a narrativas anti-sociedade civil que estão em alta neste momento em nosso país (de que as ONGs são um ‘câncer’, de que ‘atrapalham o país’). Obviamente como em qualquer setor da sociedade há casos (pontuais) de desvios, de fraudes e mal-feitos, que infelizmente alimentam essa narrativa contrárias ao setor. Além disso há também no setor práticas equivocadas e abordagens meio antiquadas que poderiam abrir-se à inovação, mas isso é tema para outra prosa.

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Na foto acima, a Santa Casa de Santos – SP, talvez a primeira edificação filantrópica no país (1543), ainda que neste momento o conceito de filantropia sequer existisse como o conhecemos. Como se nota, a filantropia no país esteve (está) vinculada à Igreja Católica, e isso explica parte da sua presença ainda bastante marcante em tantas organizações e práticas por aí. Ajuda a expliar também a carga Cristã (de ajudar ao próximo, de voluntarismo, etc) também presente no imaginário do setor. Também não vou entrar neste tema aqui, pois ele rende outro artigo / prosa.

2.     Filantropia Comunitária

  • está mais alinhada às agendas de direitos humanos, justiça social e afins
  • tem caráter mais combativo e, por isso, tende a ser encarada com uma lente mais polêmica e mais questionadora.
  • visa potencializar capacidades de grupos locais (tanto na chave da atuação cidadã-política, quanto na chave econômica – de mobilizar localmente os próprios recursos (ex: bancos populares e moedas sociais).

A filantropia comunitária se descola da vertente anterior ao buscar direcionar sua atuação mais nas causas estruturantes dos problemas sociais ou ambientais e menos em prestar assistência aos grupos sociais com os quais atua, embora também o faça. Seu centro de gravidade está em fortalecer capacidades dos grupos sociais locais/comunitários para que eles possam construir seus próprios destinos.

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Imagens de várias moedas sociais existentes no Brasil. Embora a filantropia comunitária não se resuma ao uso de moedas sociais, elas ajudam a ilustrar essa vertente. Convém lembrar que há outras abordagens, outras práticas e outras ferramentas que a filantropia comunitária tem utilizado ao longo da sua trajetória. Se você se interessou pelo tema, sugiro dar uma olhada aqui, nos colegas da Rede de Filantropia para a Justiça Social.

3.     Filantropia Corporativa

  • No Brasil essa vertente é reconhecida como Investimento Social Privado (ISP), embora dentro do que se chama de ISP caibam outras expressões da filantropia. Aqui você encontra o conceito de ISP (GIFE).
  • O ISP possui um modus operandi mais alinhado ao mundo corporativo (atua por projetos em áreas e temas de atuação de suas operações. Esta atuação vem sendo questionada há algum tempo, talvez esteja em alta por conta da pandemia (marcas/empresas precisaram assumir uma atuação social mais ativa, boa parte dela passou/passa por suas áreas de ISP).
  • Se você se interessou em aprofundar mais o tema, sugiro conferir um artigo que publiquei aqui neste livro (é o penúltimo artigo do livro, intiulado como: ‘ISP como expressão da filantropia: dilemas e caminhos’)
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4.     Filantropia Estratégica

  • no Brasil tem sido chamada de Venture Philanthropy, na ausência de uma tradução do termo.
  • se constitui como uma ponte entre a filantropia ‘tradicional’ e o campo dos negócios de impato/investimento de impacto e do ESG.
  • em geral, visa estabelecer parcerias de mais longo prazo, oferecendo apoio financeiro e não-financeiro numa relação de diálogo com as organizações sociais parceiras (grantees ou beneficiários, pra ficar didático).
  • É comum ouvirmos por aí que tudo isso é o que o ISP (Investimento Social Privado) já faz no Brasil, mas um pouco de estrada neste setor nos permite dizer com bastante tranquilidade que ainda estamos longe desta realidade. Talvez este seja o aspiracional do ISP, embora ainda haja uma certa estrada para ele atuar da forma como o Venture Philanthropy propõe,
  • Na imagem abaixo (disponível aqui) se observa essa ponte – da doação mais tradicional (à esquerda) ao investimento de impacto e investimentos sustentáveis/responsáveis (ESG).
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Destino comum?

Saio com essa pergunta martelando minha cabeça. Na lupa mais grossa é provável que a gente siga enxergando convergência de propósitos entre as iniciativas destas vertentes filantrópicas, mas um olhar mais apurado nos permitirá identificar várias dúvidas a este respeito.

Será mesmo que todas as iniciativas destas vertentes visam contribuir para o fortalecimento da sociedade civil (na sua pluralidade de formas, temas e práticas)?

Talvez esse propósito comum e aparentemente consensual não o seja. Talvez seja necessário aprofundar essa discussão pra ver se, de fato, estamos caminhando em direção ao mesmo objetivo. Talvez tenhamos inclusive que discutir o que estamos chamando como ‘fortalcimento’ e de qual ‘sociedade civil’ estamos falando.

Algo me diz que do jeito que seguimos, chegaremos em lugares diferentes. Nem melhores, nem piores. Apenas diferentes.

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