Atuo na área de ISP, junto a um instituto empresarial. Lido com situações diversas e inusitadas em meu dia a dia e, antes de mais nada, gosto muito do meu trabalho e de onde trabalho.
Mas venho me deparando desde que comecei a atuar nesta área, há 7 anos, com diversos dilemas e questionamentos.
Talvez o maior deles, de fundo, diz respeito à pergunta título deste texto:
“afinal, a quem a área de investimento social privado serve?”
Questão complexa, pois traz consigo a característica de “fronteira” que o ISP tem. Para quem atua num instituto ou fundação empresarial, comumente somos percebidos pelos colegas de empresa como “ongueiros”, e pelas comunidades e OSCs com as quais atuamos somos percebidos como “empresa”. Carregar a marca do grupo empresarial ao qual estamos vinculados é sim uma “face de dois legumes”.
Afinal, o nosso trabalho está a serviço de quem?
De um lado, prestamos contas à estrutura de governança e de gestão ao qual estamos vinculados – conselhos, CEO, diretorias, etc. Mas, estamos a serviço deles?
De outro, estabelecemos relações de gestão com diferentes áreas da empresa – diretorias, gerências, regionais, voluntários. Mas estamos a serviço deles?
De outro, estabelecemos relações mais próximas com as causas pelas quais nosso instituto / fundação foi criado. Estas causas, por sua vez, são enfrentadas/impulsionadas por diversas OSCs, movimentos sociais, coletivos e comunidades. É com este mix de pessoas e organizações que nos relacionamos. Estamos a serviço deles?
Na prática, estamos a serviço de todos eles e de nenhum deles.
Me explico melhor. É preciso encontrar equilíbrio neste mix de relações – da governança, passando pela gestão corporativa/institucional, desaguando finalmente na “ponta”. Nela, “ponta”, há também um conjunto complexo de relações que precisa ser gerida.
Para dentro e para fora
Como é fácil nos perdermos por estes meandros, muitas vezes gastando mais energia para dentro (das nossas organizações e na relação com as áreas da empresa) do que para fora (com a “ponta”), sendo consumidos pelos processos internos do mundo corporativo ao invés de sermos consumidos nas relações com as OSCs e com as causas pelas quais fomos criados.
Isso me deixa muito inquieto no meu dia a dia de trabalho. Quando percebo que estou destinando mais energia e tempo em processos internos do que externos, algo vai mal. Como diz Caetano, “alguma coisa está fora da ordem”.
Esse é um dos lados pouco percebidos pelos parceiros de ISP – tanto os de “fora” (OSCs) quanto os de “dentro” (gestores da empresa). Estes, como lidam apenas com a dimensão privada, não conseguem perceber claramente a tão falada “esfera pública” em suas rotinas. A minha percepção é de que é muito mais fácil atuar na ótica privada do que pública, mas isso é tema para outro texto.
Pra fechar, gosto muito da metáfora de que para atuar num instituto/fundação corporativa, é preciso ter vários chips e trocá-los vários vezes ao longo do dia. Muitas vezes temos que pensar e agir como OSC (.org), outras vezes é preciso dialogar com o Estado (.gov) e outras com o mundo privado (.com). Pergunto em qual organização temos essa complexidade de atuação à nossa disposição. É muito mais desafiador ser tri-chip, mas é o aprendizado é muito maior.
Na prática somos um pouco destes três universos e não somos percebidos por eles como tal. Estranho assim, mas inspirador assim. A quem servimos afinal? Guardadas as devidas proporções, seria como recuperar questões filosóficas fundamentais: quem somos? De onde viemos? Ou seja, muitas perguntas para pouquíssimas respostas…..me desculpe caro(a) leitor(a).
Muitos deles eu abordei em meu livro, lançado em 2017 e disponível aqui.
Artigo publicado originalmente aqui.